Recentemente o clássico Os embalos de sábado à noite estreou no catálogo da Netflix. Então percebi que, incrivelmente, ainda não havia visto a película que catapultou John Travolta ao estrelato.
Eu mesma me surpreendi por ainda não ter visto o filme, afinal sou grande fã de musicais. Então, super empolgada, peguei meu balde de pipoca e estava preparadíssima para embarcar no ritmo disco dos anos 1970.
Mas aí, meus amigos, tomei uma grande rasteira. Os embalos de sábado à noite não é uma produção feel good sobre a era da discoteca. É, sim, um filme misógino, sombrio, depressivo.
Se o objetivo fosse criticar a ainda mais desigual e violenta Nova York dos anos 70, poderia ter sido uma bela produção. A grande questão é que o filme naturaliza e até mesmo glorifica o machismo, o racismo e a homofobia de Tony Manero (Travolta) e trupe.
O filme tem uma cena de estupro coletivo. A personagem Annette (Donna Pescow), que é perdidamente apaixonada por Manero é estuprada por dois amigos dele, enquanto ele está no carro e não faz nada para impedir. Ao final da violência, ele pergunta se ela “estava satisfeita, pois agora tinha virado uma vagabunda”. Oi?
As mulheres são tratadas como objetos descartáveis, decorativos, que não têm maiores utilidades. O interesse romântico de Tony, Stephanie (Karen Lynn Gorney) é outra vítima de abuso. Ao ser rejeitado por ela, o personagem de Travolta tenta abusar da moça num banco traseiro de carro. Aliás, aqui vale ressaltar que Tony Manero é um dos maiores boys lixos que eu já vi na ficção.
Tudo isso é tratado com tanta naturalidade no filme, que enoja. Não é uma crítica ao machismo estrutural. Não é uma crítica à misoginia. É simplesmente um retrato de práticas que são tratadas como aceitáveis ao longo da produção. Você pode dizer que o filme se passa nos anos de 1970, mas posso garantir que o estupro era hediondo até mesmo na não tão longínqua década da disco.
Ao longo de toda a produção, eu só ficava me perguntando como Os embalos de sábado à noite se tornou um clássico, destilando misoginia, homofobia e racismo. Mesmo na década de 70, pós movimentos em prol dos direitos civis, dos homossexuais e da emancipação feminina, o filme parece não caber.
Outro ponto problemático é a caracterização dos ítalo-americanos como criaturas quase bárbaras. O jornalista Steve Cuozzo escreveu um artigo no NY Post, compartilhando seu desconforto com a forma como a produção retrata essa fatia da população, sendo ele mesmo um descendente de italianos em Nova York.
Fiquei com um nó na garganta ao final do filme. Nem o show de dança de Travolta foi capaz de me fazer relevar uma produção tão absurda. Está na hora de rever a posição de clássico da película. Temos que questionar para que possamos avançar. Não se trata de cancelar, mas sim de ter senso crítico.